Escritório Virtual – Boletim Maio 2022

Liberdade e Responsabilidade


La liberté est le droit de faire tout ce que les lois permettent.

Liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.

                   (Charles de Montesquieu)


Montesquieu

“Montesquieu“

Este mármore — esculpido em 1783 pelo artista francês Claude Michel (dito, Clodion) — e que está hoje no Museu do Louvre, em Paris, com certeza causaria admiração entre os cidadãos gregos e romanos de dois milênios atrás.

 

 

 

 

 

Quando estudamos a história antiga na escola somos apresentados às duas civilizações mais importantes (pelo menos, na visão Ocidental) para a formação dos Estados modernos: a grega e a romana. Ali nasceu a filosofia e floresceram a matemática, a escultura, o teatro e muito da arte e da ciência que moldaram o futuro da humanidade. Porém a característica mais original da era greco-romana foi sua estrutura política: enquanto todos os demais povos da África, Ásia e Europa se organizavam em reinos governados por déspotas, na Grécia e em Roma os cidadãos adotaram o que chamavam “República”: uma forma de governo em que o chefe de Estado era escolhido por eleição e governava por tempo determinado. Mais ainda: as decisões passavam por um conselho de notáveis, que em Roma se chamava “Senado”, o qual tinha poderes para elaborar leis e fiscalizar os atos do chefe de Estado.

Essa forma de governo, que desapareceu durante a Idade Média, foi revisitada no século XVIII pelos chamados Iluministas — filósofos que combatiam o poder absoluto das monarquias europeias. Dentre eles, o francês Montesquieu defendia um Estado liberal baseado na separação dos poderes em três núcleos: Executivo, Legislativo e Judiciário. O modelo de Montesquieu foi adotado pelos revolucionários norte-americanos que conseguiram a independência dos Estados Unidos, a primeira república moderna, e foi daí em diante replicado, com maior ou menor fidelidade, no resto do mundo, como o que hoje chamamos Democracia Liberal.

Desde então o modelo democrático-liberal passou por muitos desafios, os maiores durante e após a Segunda Grande Guerra, quando os movimentos fascista, nazista e comunista propuseram alternativas com um Executivo muito mais forte e intervencionista. A queda da União Soviética no final do século XX surgiu, para muitos, como a vitória definitiva do modelo democrático. Alguns chegaram mesmo a sugerir que o século XXI veria o “fim da História” — um equilíbrio final em que os antagonismos desapareceriam em favor de uma estabilidade internacional baseada na liberdade e democracia.

Esse sonho, contudo, durou pouco. A crise econômica internacional em 2008 viu renascer a ideia dos “governos fortes” e suas soluções imediatistas. Apelando às tradições, ao nacionalismo e à religião, movimentos antidemocráticos cresceram em todo o mundo, em alguns casos se utilizando da própria estrutura democrática para chegar ao poder pelo voto — apenas para subvertê-la na primeira oportunidade, esvaziando ou eliminando o Legislativo e o Judiciário e reeditando os antigos governos autocráticos que tanto desgostavam os cidadãos gregos e romanos da antiguidade.

Muitos perguntam se um “governo forte” não seria um mal necessário para reorganizar a sociedade. Esse é um argumento antigo e já submetido ao teste da História: foi usado por gente como Hitler, Mussolini e Lênin e levou à mais sangrenta guerra da história humana. Infelizmente, são raríssimos os casos de líderes ou grupos que abdicam de poderes absolutos. Cabe aos cidadãos, portanto, agir com responsabilidade e evitar caminhos que parecem fáceis, mas podem levar a destinos perigosos. Ou, como nos alertou Montesquieu: “se um cidadão pudesse fazer o que a lei proíbe, ele não mais possuiria liberdade”.