Escritório Virtual – Boletim Maio 2025

O último emu e o alvoroço tarifário


 

2025-05 Uluru

 Alvorecer no Outback australiano, próximo ao monte Uluru.

(foto: arquivo pessoal)

 

Os Pitjantjatjara são um povo aborígene que há milhares de anos habita o rigoroso Outback australiano. A região dispõe de escassas opções de alimentação, daí a importância do emu (a ema australiana) que, junto com o canguru, é uma das raras alternativas de caça de grande porte disponíveis nesse habitat.

Para caçar o emu, os pitjantjatjara se escondiam junto aos poucos poços de água formados pela chuva que escorre das paredes areníticas do monte Uluru – gigantesco monólito no coração do deserto. Ali, aguardavam pacientemente os emus saciarem sua sede. Quando os animais se retiravam, os caçadores se aproximavam do último emu para matá-lo. Esse procedimento evitava que os demais emus percebessem o ataque, o que faria com que não retornassem o local no futuro.

A sabedoria de povos tradicionais nos mostra o quão incorreto é chamá-los “atrasados” apenas por não utilizarem tecnologias similares aos das sociedades industriais. Não se trata do que não “sabem”, mas do que sabem sobre seu próprio ambiente e o quão bem adaptados estão a ele.

Por outro lado, não encontramos justificativas quando vemos partir das sociedades modernas autointituladas “avançadas” estratégias que o caçador aborígene julgaria extremamente ineficazes – senão infantis.

Esse é o caso da guerra tarifária.

Não irei me deter nas tarifas em si – esse tema já foi alvo de dissertações detalhadas assinadas por economistas com muito mais conhecimento. Prefiro me concentrar no aspecto estratégico de como o “anúncio” das novas barreiras tarifárias impostas pelos EUA foi levado a público, e como ele se encaixa nas atitudes recentes contra a soberania de países como Canadá, Dinamarca  (Groenlândia) e Panamá (canal).

Espantando emus

Quando se trata de estratégia, sigilo e discrição estão entre os elementos mais importantes para o sucesso. Se um negociador tem como alvo trazer o adversário à mesa de negociação (objetivo oficialmente declarado como motivador das tarifas) ou apenas submetê-lo a um acordo desvantajoso, nada pior do que expor suas intenções de forma não apenas explícita, mas ofensivamente agressiva. A resposta esperada só poderá ser negativa e o sucesso, improvável.

Seria como se os caçadores aborígenes, antes de atacar o bando de emus, anunciassem sua intenção ao som de gritos e trompetes. Provavelmente as aves fugiriam para bem longe e nunca mais voltariam. Sem retornar com a caça e sem perspectiva de fazê-lo no futuro, como clamar êxito junto à tribo?

Talvez os aborígenes tenham se beneficiado de viver em uma sociedade “atrasada”, sem internet e smartfones, onde comida à mesa no fim do dia tem mais valor que tuítes e postagens autoelogiosas em redes sociais. Deve ser por isso que continuam por aqui depois de milhares de anos.