Escritório Virtual – Boletim Outubro 2024
Cadeiras
“Humanos não foram criados para ficarem sentados”. A frase, que descobri em minha pesquisa para preparar este texto, é do presidente de uma empresa norueguesa de móveis de escritório. “Humanos”, escreve ele, “foram criados para ficarem eretos quando em movimento e deitados quando em repouso”. Era apenas quando se reuniam para discutir temas de interesse comum, ou apenas confraternizar, que se sentavam.
E sentavam-se no chão, por óbvio, ficando todos da mesma altura. Como destacar então o líder do grupo? Para que fosse melhor visto e ouvido, o chefe precisava buscar, sobre uma pedra ou um tronco, uma posição elevada. Mais visível, sim, porém nada confortável. Para resolver esse desafio ergonômico surgiu a primeira cadeira.
Com o advento da escrita vieram sociedades mais complexas, que precisavam de cadeiras (e mesas) para o trabalho administrativo, mas também de tronos ricos e decorados para distinguir e dignificar seus líderes. Enquanto os escribas egípcios sentavam-se no chão se servindo, quando muito, de pequenos tapetes, Tutancâmon tinha um assento elaboradamente entalhado e adornado com ouro.
Gregos e romanos, povos que valorizavam a leitura e o “lazer criativo”, tinham cadeiras em suas residências. As palavras grega kathédra e latina cathedra (cadeira, assento) vieram mais tarde a designar, por metonímia, a disciplina lecionada pelo professor autorizado a sentar-se em frente ao alunos, e também deram origem à catedral — a igreja onde o bispo tinha assento.
Na Europa medieval as cadeiras se tornaram simples e sóbrias, feitas em madeira escura, dentro do espírito daquele tempo em que se acreditava que uma vida modesta e austera era o caminho para a salvação eterna. Seus contemporâneos árabes se permitiam cadeiras com assento almofadado (do árabe al-muẖaddâ = coxim, travesseiro), além de decorá-las com os sofisticados arabescos característicos da cultura islâmica, onde a representação em imagens de homens e animais era vista com desagrado, quando não proibida.
Do outro lado do mundo, chineses e japoneses sentavam-se rente ao chão, em pequenos assentos acolchoados ou sofás longos e baixos. Indianos inventaram criativos assentos em balanços para festas e casamentos e os almofadões mais tarde abraçados pelos ocidentais interessados na prática da ioga (ou “do” ioga, como preferem os puristas).
Foi, porém, na Revolução Industrial, com a fabricação em massa de mobiliário, utensílios e vestimentas, que a cadeira ganhou designs padronizados e uso disseminado em casas, escritórios, escolas etc. Faz parte desse universo moderno, elegante e prático a Cadeira nº 14 do alemão Michel Thonet que, com sua patente de um método para encurvar a madeira e seu projeto de uma peça ergonômica, leve, desmontável e com um assento em palha de fácil limpeza, criou o modelo favorito dos restaurantes do mundo inteiro.
Milênios se passaram e a cadeira evoluiu para se transformar em um item universal e tão onipresente que, exceto por um eventual desconforto lombar, raramente paramos para pensar sobre ela — mesmo quando, ao pensar, estamos sentados sobre uma delas.
Pena que, ao contrário das cadeiras, a humanidade pareça ter involuído. Se, no passado, sentávamos sobre elas para falarmos e sermos ouvidos, hoje há quem desça da cadeira e a erga sobre a cabeça para fazer valer seu ponto de vista. Bizarra inversão.
Que na hora de tomarmos nossas decisões o façamos, como as cadeiras, com os pés no chão.