Escritório Virtual – Boletim Julho 2023

Risco


 

“Viver é muito perigoso”, dizia Guimarães Rosa pela boca de Riobaldo, inesquecível protagonista de Grande Sertão: Veredas. Essa reflexão, que foi a Frase do Mês do nosso segundo Informativo (fevereiro de 2017), nos recorda o quão complexa é a vida, com sua infinidade de escolhas, cada uma delas com riscos e possibilidades.

“Risco” é a palavra que esteve na boca de todos nós nesse mês que termina, atônitos que ficamos com o desastre do submersível Titan. Muitos se perguntam se a caríssima viagem às profundezas do oceano para uma curta visita aos destroços do Titanic era uma experiência válida ou uma diversão fútil e mórbida para milionários entediados. Outros defendem que a oportunidade de vivenciar algo tão radical e arrojado valia o risco — em linha do dito popular de que “o que se leva da vida é a vida que se leva”. Aparentemente, assim pensavam os tripulantes, cujo currículo aventureiro incluía desde recordes de mergulho até uma viagem ao espaço.

Se o nome Titan está claramente associado ao seu objeto de interesse, o Titanic, também é significativa sua referência aos seres da mitologia greco-romana que desafiaram os deuses pelo controle do universo — e foram derrotados.

Inspirados pelas metas ambiciosas de seus poderosos homônimos, os criadores do Titan foram todavia imprudentes na preparação de seu empreendimento. Viralizou nas redes uma frase de Stockton Rush, fundador da OceanGate, empresa que construiu e operava o Titan: “Se você só quer estar seguro, não saia da cama”.

Para sermos justos, o Titan estava longe de ser uma geringonça improvisada: foi construído por uma empresa especializada, preparado para suportar pressões maiores do que as encontradas na profundidade do Titanic e, em caso de algum imprevisto, possuía sete métodos redundantes para emergir. Ainda assim algumas liberdades foram tomadas para reduzir custos, entre as quais o uso de materiais e soluções de projeto não certificados. Como bem resumiu James Cameron, Titan e Titanic foram vítimas do orgulho e da soberba.

Se podemos tirar uma lição desse triste episódio é a de que precisamos, sim, conviver com o risco, mas com a humildade de escutar e aceitar as vozes da ciência e da experiência.

Como lembra Riobaldo, “Quem desconfia fica sábio”.

2023-07 Risco